O Saci (8ª edição)/12

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XII

O jantar



O sol já estava descambando e o menino sentiu fome. Havia esquecido de trazer matalotagem.

— Amigo saci, estou sentindo uma coisa chamada fome. Mostre-me a sua habilidade em sair-se de todos os apuros, arranjando-me um jantar.

— Nada mais facil, respondeu o pernetinha. Gosta de palmito?

— Gosto, sim. Mas como poderemos derrubar uma palmeira tão alta para colher o palmito? Sem machado é impossivel.

O saci deu uma risada.

— Não ha impossiveis para mim, quer ver? e metendo dois dedos na boca tirou um agudo assobio.

Imediatamente um enorme besourão, chamado serra-pau, surgiu do seio da floresta. O saci fez-lhe uns sinais e o besourão, voando para o alto duma palmeira de tronco fino mas muito alto, abarcou a base do palmito entre os seus ferrões dentados como um serrote e começou a girar com grande velocidade, zunindo como um aeroplano — zunnnn...

Em menos de cinco minutos o tronco da palmeira estava serrado, e o palmito, acompanhado da copa, veio com grande estardalhaço ao chão.

— Bravos! exclamou o menino. Nunca imaginei que nesta mata houvesse serrador tão habil. Quero agora ver como você prepara o petisco.

— Muito facil, disse o saci. Fogo não falta. Tenho sempre fogo no meu pitinho. Panelas tambem não faltam. E´ só procurar por aí alguma casca de tatú. Agua temos dentro dos gomos da taquara; basta rachar um ou dois. E para gordura é só quebrar uma porção de coquinhos e espremer entre duas pedras o oleo das amendoas.

— E sal?

— E´ o mais dificil; mas como ha mel, você comerá palmito preparado sob forma de doce, que é ainda mais gostoso.

E assim foi feito. Em menos de vinte minutos estava diante de Pedrinho uma casca de tatú cheia de um doce de palmito muito bem preparado. O menino comeu a fartar e ainda teve uma sobremesa de frutas silvestres — bacuparis, grumixamas e amoras do mato, que o saci colheu pelas redondezas.

— Ha muito tempo que não como com tanto apetite! comentou Pedrinho depois que encheu o papo. Você é um cozinheiro ainda melhor que tia Nastacia, que é a primeira cozinheira do mundo.

E, dando tapinhas na barriga, pôs-se a palitar os dentes com um comprido espinho de brejauva.

A tarde ia morrendo. Não tardou que Pedrinho visse brilhar no ceu, por entre uma nesga aberta na copa das arvores, a primeira estrelinha.

Que coisa impressionante era a noite! Até aquele momento Pedrinho ainda não havia prestado atenção nisso. Noite em casa não é noite. Acende-se o lampião, fecha-se a porta da rua — e que é da noite?

Mas ali, oh, ali a noite era noite de verdade — das imensas, das completamente escuras, apenas com aqueles vagalumes parados no céu que os homens chamam estrelas...

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.